Diversão burocrática

Ontem fui no show do tortoise, uma banda de chicago, que mistura instrumentos convencionais - como baixo, guitarra e bateria - com vibrafone, piano, percussão e instrumentos eletrônicos. Devo dizer, antes de qualquer crítica, que o show foi realmente incrível.. O quinteto mandou muito bem e fez um show pra ninguém botar defeito.. a banda, claro! já da produção, não sinto poder dizer o mesmo..

No meu entender, a arte deve ser compreendida sempre dentro de sua contexto, senão nada faz sentido. Por exemplo, consigo entender como uma forte arte visual as pichações nas ruas em São Paulo, mas se as mesmas figuras estiverem em telas emolduradas em museus perderiam todo seu significado. Colocar o tortoise no auditório do Sesc Santana é a mesma coisa!!

Logo na entrada percebemos que a burocracia definitivamente faria parte daquela noite. No convite estava escrito "Não será permitida a entrada appós o início da apresentação". Estava marcado para as 21h, achei que não teríamos problema por chegar às 21h20, numa cidade como São Paulo, onde o trânsito é o problema de política pública (ou falta dela) mais presente na vida da população. Realmente não tivemos problema grave por isso, conseguimos entrar, mas perdemos a primeira música e tivemos que sentar todos separados, pois os lugares só ficam reservados até o início do show.. :S

Assim, obrigatoriamente sentada, a platéia se sacudia da forma que conseguia, provando minha teoria de que a arte musical ali estava fora do contexto necessário para sua compreensão. Não basta entender superficialmente, é preciso saber o que se pretende ali, quais os objetivos, a trajetória do artista, enfim.. No caso do tortoise, a condição sine qua non (tá certo isso?) pra entender sua música é sentí-la!!! E, convenhamos, impossível sentir a música sentada numa cadeirinha irritante, não??

Mas é preciso repetir: Tortoise é incrível!!! Eles tocam daquele jeito que te leva, leva, leva.. E quando você percebe, já foi bem longe, viajando nas formas e cores do vídeo transmitdo no telão atrás do palco.. A música que eles fazem é daquelas que te toca lá no fundo.. Toca de um jeito que dá vontade de abraçar quem está do seu lado, sabe? (mas vc não pode, pq está restrito ao espaço da cadeira)

O som deles tem um tipo de textura própria, muito louca. Os momentos vão se completando, oras calmos, silenciosos, profundos, oras explodem em energia.. Aquela energia forte que te dá vontade de pular e dançar bastante (mas vc não pode, pq está restrito ao espaço da cadeira) . A mesma energia que tb te dá vontade de tomar uma cerveja gelada, sorrir para o amigo do lado ou comentar sobre aquele solo perfeito (mas tudo isso vc tb não pode, pq está restrito ao espaço da cadeira e deve evitar barulhos e ser comportado)

Passado uma hora de show, percebi que a banda compartilhava da minha frustação, quando John Herndon (bateria, vibrafone, teclados) disse: "I would like if all of you could stand up!", ou algo desse tipo, ou seja: "Eu gostaria que todos vocês pudessem ficar de pé..". Nesse momento tive certeza que não era só eu que estava completamente frustada de ver um espetáculo tão foda ali diante de mim e não poder sentí-lo. Reparei na menina sentada a minha frente, que a cada orgasmo musical devia ficar com as mãos doendo de tanto que batia palmas; no menino que dançava freneticamente de um lado para o outro, inventando uma nova modalidade de dança sentado; no moleque sentado atrás de mim, q acompanhava as batidas com os pés, sem perceber que eles estavam em cima do meu assento, dividindo o pouco espaço existente com a minha bunda... Enfim, era possível notar a platéia inteira mexendo levemente... Mas a frustação geral pra mim foi realmente comprovada no segundo bis, quando a galera voltou ao auditório e não se sentou, foram todos descendo em direção ao palco e permanecendo em pé. A banda respondeu tocando sons mais acelerados e ainda mais envolventes. Podia-se ouvir os burburinhos: "Vamos ficar todos de pé!" ou "Agora sim é que é show de verdade"!

No final, um cara de terno elogiou o espetáculo para um cara que deveria ser o produtor: "Foi um ótimo evento! Parabéns!". Se fosse eu, diria: "O Tortoise fez um show incrível, mas a produção poderia ter dado um jeito de não fazer a galera se sentir tão podada". Afinal, deve haver algum motivo pra expressão "Let's Rock!"